A PRESENÇA DOS JUDEUS
NA PENÍNSULA IBÉRICA

JUDEUS NA IDADE ANTIGA E ÉPOCA ROMANA

A presença de povos semitas na Península Ibérica remonta ao século VIII a.C., com a chegada dos fenícios. É possível que os primeiros judeus tenham chegado à região junto com os fenícios, estabelecendo-se nas colônias comerciais fundadas por estes.
Posteriormente, durante as Guerras Púnicas no século III a.C. e a subsequente conquista da Lusitânia pelo Império Romano, é provável que mais judeus tenham se estabelecido na região.
No entanto, o evento que verdadeiramente desencadeou a grande concentração de judeus na Europa, incluindo Portugal, foram as revoltas da Judeia em 70 d.C. e 133 d.C. Estas revoltas culminaram na destruição do Templo de Jerusalém e na devastação da terra de Israel. Como consequência, muitos judeus foram levados como escravos e se dispersaram pela Europa e Ásia Menor, dando origem ao fenômeno hoje conhecido como “diáspora judaica”.

IDADE MEDIEVAL

No século VIII d.C., a Península Ibérica foi palco de uma significativa presença muçulmana. Com a expansão do Califado Omíada, a região foi conquistada, culminando na formação do Emirado independente de Al-Andalus. Este domínio perdurou por oito séculos, até o término da Reconquista em 1492.

O califado Omíada inaugurou uma época de ouro para a cultura islâmica, caracterizada por conquistas monumentais, avanços intelectuais e uma política de islamização que se estendeu do século VIII ao XVIII d.C. Este período de florescimento cultural não se limitou apenas ao mundo muçulmano, mas teve um impacto significativo nas comunidades judaicas, especialmente na Península Ibérica.

A ascensão do califado árabe propiciou uma reconexão dos judeus com o Oriente, permitindo-lhes acesso a tradições ancestrais e textos sagrados como o Talmud. O estabelecimento de centros de estudos e uma política de relativa tolerância religiosa criaram um ambiente de efervescência intelectual. Neste contexto, emergiram grandes pensadores judeus como Maimônides, Yehuda Halevi e Ibn Gabirol, que sintetizaram a tradição judaica com a filosofia grega e árabe.

Este período produziu obras judaicas fundamentais como o “Guia dos Perplexos” de Maimônides e “O Kuzari” de Yehuda Halevi, que integraram filosofia grega e árabe ao pensamento judaico. Simultaneamente, desenvolveu-se a cultura sefardita, com suas próprias tradições litúrgicas e o surgimento do ladino. Esses avanços intelectuais e culturais moldaram significativamente o judaísmo rabínico posterior, influenciando práticas e pensamentos judaicos até a atualidade.

Portugal surgiu como estado-nação no século XII, tendo os judeus entre seus súditos. Nesse período, os judeus desempenhavam atividades econômicas diversas, integrando-se na sociedade portuguesa. Seus direitos de culto foram reconhecidos e mantidos. Embora vivessem em bairros próprios, preservaram seu cotidiano e instituições para manter uma vida judaica.

Um exemplo notável desse respeito foi a nomeação de Yahia Ben Yahia como o primeiro rabino-mor de Portugal, que também era tesoureiro de D. Afonso Henriques. A vida dos judeus em Portugal foi próspera até o século XV.

Durante a era das grandes navegações e descobrimentos marítimos, Portugal alcançou notável prosperidade e prestígio internacional. Neste período de avanços e conquistas, figuras judaicas proeminentes contribuíram significativamente para o progresso do reino. Destacam-se Pedro Nunes, matemático e cosmógrafo-mor; Isaac Abravanel, estadista, filósofo e financista; e Abraão Zacuto, astrônomo cujos conhecimentos foram fundamentais para as expedições marítimas, incluindo a descoberta do caminho marítimo para a Índia.

A EXPULSÃO

A Reconquista, um processo histórico de aproximadamente oito séculos, transcendeu a mera recuperação territorial da Península Ibérica do domínio muçulmano. Este período crucial estabeleceu uma hegemonia católica, linguística e política, culminando na união dos reinos de Aragão e Castela. Os anos finais foram marcados por eventos intensos: conversões em massa de judeus e muçulmanos, que buscavam escapar às perseguições, contrastavam com massacres paradoxais de conversos. Em 1478, a Inquisição surgiu para manter a “pureza” da fé católica. O ano de 1492 foi decisivo, com a queda de Granada nas mãos dos Reis Católicos e a expulsão dos não-convertidos. Portugal, inicialmente um refúgio, mudou sua política com Manuel I, levando à expulsão dos judeus em 1496. Esta diáspora espalhou comunidades judaicas pelo Norte da África, Império Otomano, Américas e Europa. Uma notável parceria entre judeus e holandeses resultou na disseminação do judaísmo pelas Américas, com a primeira sinagoga em Recife, Brasil, em 1637. O rabino português Isaac Aboab da Fonseca tornou-se o primeiro das Américas, e gradualmente comunidades judaicas floresceram no Caribe e América do Norte, seguindo os passos dos colonizadores holandeses.

INQUISIÇÃO

A Inquisição é um assunto complexo com diferentes propósitos e momentos. De maneira geral, esta instituição católica apostólica romana foi constituída para lutar contra os desvios de conduta da fé católica, como heresia, apostasia, blasfêmia e feitiçaria.

A Inquisição nasceu na França no século XIII para combater grupos heréticos que deturpavam a filosofia da Igreja. A Igreja considerava legítimo combater as interpretações divergentes de sua doutrina e as práticas que julgava desviantes entre seus seguidores. Empenhou-se em confrontar o protestantismo emergente e opor-se a outras crenças, incluindo o judaísmo, o islã e diversas religiões consideradas pagãs. Além disso, a Igreja empreendeu esforços sistemáticos para converter judeus, muçulmanos e povos indígenas, realizando extensas campanhas missionárias em várias regiões do globo.

A instituição transformou-se num local de escrutínio e julgamento de costumes, procedendo à censura literária, transfigurando-se no patíbulo dos que não seguiam a ortodoxia. A Inquisição espanhola (1478) e a portuguesa (1536), baseadas nesta filosofia, institucionalizaram a perseguição em seus países daqueles que não se alinhavam à filosofia de suas doutrinas. A Inquisição portuguesa, estabelecida pelo rei D. João III, destacou-se por seu foco intenso nos cristãos-novos (judeus convertidos) e por sua extensão às colônias portuguesas, incluindo o Brasil e Goa na Índia.

As perseguições aos hereges duraram 285 anos em Portugal. Aos poucos, a organização que começou por estar subordinada ao poder do rei, e que se fez um estado dentro do Estado, foi perdendo popularidade e vitalidade. Marquês de Pombal mandou acabar com a distinção entre cristãos-velhos e cristãos-novos e equiparou o Santo Ofício a qualquer outro tribunal régio. Esta ação, no século XVIII, marcou o início do declínio da instituição, reduzindo significativamente seu poder e influência.

O golpe final chegou em 1821, um ano depois da Revolução Liberal portuguesa. Dos registros que existem, sabemos que entre 1543 e 1684, a Inquisição condenou em Portugal 19.247 pessoas, das quais 1.379 foram queimadas, e centenas morreram na prisão enquanto esperavam julgamento. É importante notar que a Inquisição portuguesa foi uma das últimas a ser abolida na Europa, deixando um legado duradouro na história e cultura do país e de suas ex-colônias, impactando significativamente o desenvolvimento cultural, científico e econômico de Portugal e seus territórios ultramarinos por séculos.

OS CONVERSOS

A tolerância aos judeus oscilava entre os reinos, sendo geralmente protegidos pelos monarcas devido aos seus serviços essenciais. Essa instabilidade existia tanto em terras muçulmanas quanto cristãs, mas com a Reconquista, as tensões religiosas aumentaram.  

Os muçulmanos eram vistos como conquistadores, e a intolerância aos judeus focava-se em questões teológicas. No século XV, eventos como a Reconquista, guerras internas e a Peste Negra intensificaram a violência contra os judeus, culminando no massacre de Sevilha em 1391.  

Essas perseguições resultaram em conversões forçadas em massa. Judeus e muçulmanos convertiam-se para obter uma paz temporária. Os convertidos, chamados marranos ou cristãos-novos, mantinham suas profissões e ganhavam mais liberdade, mas logo passaram a ser vistos com desconfiança, levando à instalação da Inquisição em 1478 e à expulsão dos judeus da Espanha em 1492.  

Se na Espanha a expulsão foi resultado de um processo gradual, em Portugal foi abrupta. Com o casamento de Manuel I com Isabel, filha dos Reis Católicos, em 1495, foi promulgado o édito de expulsão dos judeus. Em 1497, o judaísmo foi proibido em Portugal, e em 1536, a Inquisição foi instaurada.  

O criptojudaísmo, a prática secreta do judaísmo, tornou-se comum, mesmo sem acesso a livros de rezas ou sinagogas. A identidade judaica e algumas práticas persistiram por séculos, demonstrando a fé e a resiliência dos judeus. Esse fenômeno se estendeu por 324 anos, desde a expulsão até o fim da Inquisição, moldado pela proximidade ao judaísmo e pelo desejo de continuar a tradição.  

Após as conversões e a instalação da Inquisição, muitos continuaram a praticar o judaísmo secretamente ou migraram para cidades remotas e colônias. No século XVII, com a intensificação da Inquisição, muitos judeus abandonaram Portugal e as colônias espanholas e portuguesas em busca de liberdade religiosa em territórios sob controle holandês, britânico, italiano e otomano. Exemplos notáveis são Gracia Nasi e Uriel da Costa.  

Os que permaneceram nas terras ibéricas viram suas práticas judaicas se esvaírem, restando uma identidade baseada em tradições incompletas. A sobrevivência do judaísmo estava conectada à identidade. Comunidades fora da Península Ibérica tentaram aproximar essas pessoas ao judaísmo, e muitas tentativas foram feitas para conectá-los ao judaísmo. Um bom exemplo é a tradução da Bíblia para o ladino.  

Com o fim da Inquisição, em 1821, e o reconhecimento legal do judaísmo em 1912, com a implementação da República, não só houve uma imigração de judeus, mas também, nas décadas de 1920 e 1930, ocorreu um movimento de retorno ao judaísmo por parte dos criptojudeus no Norte e Nordeste de Portugal. Este movimento foi liderado pelo Capitão Barros Basto, um descendente de criptojudeus que se converteu ao judaísmo ortodoxo e fundou a sinagoga do Porto.  

O objetivo do movimento era aproximar abertamente os criptojudeus a fé judaica e estabelecer novas sinagogas. Como resultado, comunidades judaicas foram fundadas em Belmonte, Bragança, Covilhã e Porto.  

O tema também voltou a ser objeto de pesquisa. Samuel Schwarz, arqueólogo polonês, destacou-se ao estudar os marranos e, em 1923, restaurou a sinagoga de Tomar, que propôs transformar no Museu Luso-Hebraico. Em 1925, publicou “Os cristãos-novos em Portugal no século XX”, revelando ao mundo a comunidade marrana em Portugal.  

O interesse no criptojudaísmo atingiu seu ápice nos anos 80 e 90, com diferentes pesquisas da Agência Judaica e do Museu da Diáspora de Israel. Em 17 de março de 1989, o primeiro-ministro Mário Soares pediu perdão aos judeus em Castelo de Vide. No mesmo ano, a comunidade de Belmonte foi estabelecida oficialmente.  

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